UM PROJETO

FOTOGRAFIA POR MARCELO LÉLIS
TEXTO DANIEL NARDIN

PELAS “RUAS FLUVIAIS”, UNIDADE DE SAÚDE AMPLIA ATENDIMENTO E MELHORA INDICADORES EM ABAETETUBA

Em Abaetetuba, o indicador de sete ou mais consultas pré-natais vem subindo ao longo dos últimos anos, apenas com um desvio negativo em 2020, por conta da pandemia, que reduziu de forma drástica os atendimentos em saúde que não fossem relacionados com casos de Covid-19 em todo país.

 Foto: Daniel Nardin

 Atendimento médico com gestantes na Unidade básica de Saúde Fluvial, em comunidade ribeirinha de Abaetetuba.

 

Em dez anos, o município passou de 39% em 2011 para 54%, em 2021. A perspectiva é de aumentar ainda mais com a compilação de dados de 2022 e até o final de 2023, como espera a secretaria de saúde municipal, por conta da atuação da unidade fluvial e o reforço dos atendimentos nas seis unidades de saúde básica fixas, construídas em comunidades ribeirinhas não atendidas pela embarcação-consultório.

A UBSF registrou aumento no número de atendimentos pré-natal ano após ano. Em 2018, quando foi implementada, foram 160 atendimentos. No ano seguinte, passou para 252 e subiu para 283 em 2020, mesmo com a pandemia, que impactou fortemente em 2021, quando os atendimentos caíram para 155. Já em 2022, a unidade voltou a operar com maior frequência e registrou 220 atendimentos, número que deve ser superado neste ano, já que entre janeiro e agosto de 2023 já realizou 136 consultas de pré-natal.

Sentada na rede na casa de madeira da mãe, Marina Sages, de 18 anos, foi uma das mulheres atendidas pela unidade. Amamentando a pequena Jaqueline, de apenas três meses, conta o alívio que sente ao ver a filha com saúde, confirmando que o acompanhamento do pré-natal foi fundamental. 

Meses antes de saber da gravidez de Jaqueline, ela passou pelo trauma de ter perdido seu primeiro filho horas depois do nascimento, por anencefalia (situação identificada quando o bebê tem cérebro subdesenvolvido e crânio incompleto). Na maioria dos casos, o bebê é natimorto, ou seja, vem à óbito ainda no útero da mãe ou, quando chega a nascer, não sobrevive mais que apenas algumas horas ou máximo de alguns dias. 

 Foto: Marcelo Lélis

 Marina Sages, em casa com a primeira filha, Jaqueline.

 

“Ele nasceu sem a parte de cima da cabeça e foi muito difícil. Fui para o hospital e não sabíamos que ia ser assim. Agora, com a Jaqueline, tivemos um acompanhamento melhor e tomei direitinho os medicamentos que a médica da UBSF passou”, relata. 

Um dos medicamentos que Marina cita é, na verdade, um suplemento alimentar comumente receitado para mães grávidas, o sulfato ferroso, além de ácido fólico. Eles ajudam a prevenir anemia, doenças e mesmo má formação, como a que ocorreu com o primeiro filho de Marina. 

A médica Rama Valente, de 26 anos, fez boa parte do acompanhamento de Marina, assim como de outras mães que são atendidas pela UBS Fluvial. Moradora de Belém, formada pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Rama passa vinte dias do mês embarcada, navegando pelos rios e furos para atender as comunidades ribeirinhas de Abaetetuba.  

“São costumes diferentes, rotinas diferentes, que a gente precisa se adaptar. Aqui tem a questão do fluxo do rio. Então muitos dos nossos pacientes dependem da maré, da altura do rio. Na zona urbana tem ônibus, tem carro, tem moto, tem bicicleta...o deslocamento é mais fácil. Aqui não. Existe essa dificuldade para essa população”, afirma. 

A jovem médica destaca que medidas simples podem evitar gastos maiores em saúde, através do pré-natal adequado. “A gente sabe que durante a gestação ocorrem algumas modificações, que são consideradas normais, mas que precisam da nossa atenção, como a questão da formação neurológica do bebê, por isso damos atenção com o uso do ácido fólico. Tem a questão da prevenção da anemia durante a gestação, por isso damos o sulfato ferroso. Então, toda consulta que faço dentro da unidade, sempre pergunto: está com alguma queixa, está sentindo algo, está tomando alguma medicação? Que aí justamente sabendo se não está tomando ou tomando de forma inadequada, a gente tenta adequar dentro da realidade dessa gestante”, avalia. 

 

Foto: Marcelo Lélis 

 Rama Valente, médica da UBSF, em Abaetetuba.

 

Uma das dificuldades é que em vários casos o atendimento com as mães começa com a gestação já avançada. “A maioria das gestantes que recebemos é de gravidez não planejada. Muitas das vezes elas já chegam aqui com 20, 25 semanas de gestação. Isso dificulta um pouco nas consultas de pré-natal”, destaca.

A médica também comenta que a equipe orienta a comunidade a fazer busca ativa, para iniciar o quanto antes o acompanhamento. “Orientamos para que, a qualquer desconfiança de que está grávida, procure a unidade para dar início ao acompanhamento”, explica. “Quando essa mãe chega com idade gestacional um pouquinho mais avançada, depois de 20 semanas, esse tempo de pré natal se encurta e acaba que no final,com o parto, ela fez só três, quatro consultas. Isso impacta o nosso indicador. E sabemos que esse indicador é muito forte na avaliação pelo SUS (Sistema Único de Saúde), até para vir mais investimento para a unidade”, completa.

Além de Rama, a equipe de saúde da UBS fluvial possui ainda enfermeiras, assistentes, dentista e, mais recentemente, psicóloga. A embarcação possui dois andares, sendo a parte de baixo com consultórios e salas de espera e o andar superior para a equipe que está embarcada, com dormitórios e refeitórios. A unidade deixa a área central de Abaetetuba no início do mês e só retorna no início da segunda quinzena. 

De acordo com estudo elaborado por Juliana Licio, na região amazônica, a taxa de anemia causada pela falta de ferro no sangue (ferropriva) em mulheres já alcançou até 67%. A anemia ferropriva está associada ao risco maior de mortalidade materna e infantil.

“Embora os inquéritos nutricionais sejam transversais, ou seja, permitem apenas retratar situação de saúde pontual no momento da coleta dos dados, um estudo de revisão sistemática feito sobre a prevalência da anemia ferropriva em mulheres e crianças indígenas concluiu que as maiores prevalência de anemia ferropriva estão associadas às condições sanitárias impróprias, às dietas insuficientes em ferro e micronutrientes essenciais e à falta de acesso aos serviços básicos de saúde”, pontua.


Glossário de termos, conforme solicitado pelos alunos-revisores 

Ácido fólico: O ácido fólico é uma vitamina B essencial para o desenvolvimento saudável do sistema nervoso do feto. Durante a gravidez, sua ingestão adequada ajuda a prevenir defeitos no tubo neural do bebê, promovendo um crescimento neural adequado. Isso torna o ácido fólico vital para as mães, contribuindo para uma gestação saudável e reduzindo o risco de anomalias no desenvolvimento do sistema nervoso do bebê.


Sulfato ferroso: Suplemento usado para a formação de hemoglobina, que transporta oxigênio pelo corpo. Durante a gravidez, as necessidades de ferro aumentam significativamente para apoiar o crescimento do feto e prevenir a anemia na mãe. O sulfato ferroso é importante pois ajuda a evitar complicações como parto prematuro, baixo peso ao nascer e fadiga extrema nas mães, garantindo uma gestação saudável e um desenvolvimento adequado do bebê.