UM PROJETO

FOTOGRAFIA POR MARCELO LÉLIS
TEXTO DANIEL NARDIN

AMAZÔNIA TEM 95 DOS 100 MUNICÍPIOS COM MENOR PERCENTUAL DE SETE CONSULTAS DO PAÍS

Abaetetuba, 11 de novembro de 2023

“O nome dela vai ser Aurora, porque acho uma palavra leve, bonita. E que ela, assim como a gente sente em todo amanhecer, venha com a esperança de dias melhores, uma vida melhor”. Com certa poesia e sorriso no rosto, a jovem Maiza Vilhena, de 24 anos, explica a escolha do nome da filha que carrega há seis meses. A ribeirinha mora na comunidade Santa Terezinha, em frente ao rio Furo Grande, na ilha Bacuri, uma das 72 ilhas do município de Abaetetuba, no interior do Pará, na Amazônia Legal brasileira. 

Foto: Marcelo Lélis

Maiza, Erick e Arthur, da comunidade de Santa Terezinha.

 

No final da manhã de um sábado de julho, sob o sol forte, Maiza chegou até a embarcação que funciona como uma Unidade Básica de Saúde Fluvial (UBSF) com o marido, Erick Pacheco, de 27 anos, que conduzia a rabeta da família, uma espécie de canoa de madeira com um pequeno motor. 

Naquele dia, Maíza realizou sua quinta consulta de pré-natal. A proximidade do atendimento permitiu que Maiza fizesse um número maior de consultas sem gastar tanto, o que não ocorreu com seu primeiro filho, Artur. Essa é a terceira gravidez de Maíza, que sofreu aborto natural na primeira gestação. “Todo mês a gente tinha que ir até a cidade. A equipe é muito atenciosa, dedicada e fica aqui ao lado, né? Com o Artur, fiz tudo particular e foi difícil, mas aqui tem a médica, enfermeira e dentista”, relata.  

Os números de cobertura adequada de pré-natal no país demonstram o quanto a desigualdade regional no país possui muitos traços. O recorte que considera sete ou mais atendimentos de consultas pré-natal para bebês nascidos vivos no Brasil são reveladores. 

Em 2021, de acordo com informações do DataSus, do Ministério da Saúde, dos cem municípios brasileiros com menor percentual neste indicador, 95 estão em Estados da Amazônia Legal Brasileira. 

Na outra ponta da tabela, dos cem municípios com maiores percentuais com esse volume de atendimento, apenas 2 são de Estados que compõem a Amazônia Legal Brasileira: Araguainha, no Mato Grosso, que está entre os 30 municípios do Brasil com 100% de atendimentos com sete ou mais consultas. O outro município é Novo Alegre, no Tocantins, com indicador em 96%. Os dados detalhados deste indicador por município e outros podem ser visualizados em um mapa interativo, produzido pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, pelo projeto Primeira Infância Primeiro. 

 

Mapa mostra os indicadores de 2021 no item de cobertura pré-natal no Brasil com sete ou mais consultas, em todos os municípios. Fonte: Primeira Infância Primeiro/Fundação Marcia Cecilia Souto Vidigal


Destes 95 municípios com menores indicadores, 32 estão no Maranhão* e 26 no Pará. O Acre possui 12, enquanto o Amapá e Roraima, sete cada. Já o Amazonas, seis. O Mato Grosso tem quatro municípios entre os cem piores e o Tocantins, 1. O Estado de Rondônia não possui municípios entre os cem piores indicadores.

Entre os municípios da Amazônia fora da listagem dos cem piores está  Abaetetuba, que em 2021 alcançou índice de 54% dos atendimentos com sete ou mais consultas, percentual pouco acima da média estadual do Pará, que foi de 53%. Porém, ainda abaixo da média nacional, que é de 73%. 

O recorte de sete ou mais consultas é recomendado como um dos principais indicadores que devem ser analisados, segundo a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal. De acordo com a fundação, maior quantidade de consultas de pré-natal, associada com a qualidade desse atendimento, impacta diretamente em outros indicadores que, inclusive, ajudam a compor o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de um município. 

“O aumento das consultas pré-natais está diretamente relacionado à diminuição da mortalidade infantil e da mortalidade materna. Daí a importância de que as gestantes do estado ou município façam pelo menos sete consultas – o que pode ajudar a melhorar vários outros indicadores, como aleitamento, mortalidade infantil por causas evitáveis e bebês de baixo peso”, aponta.  

A coordenadora Estadual de Saúde da Mulher, da Secretaria de Saúde do Estado do Pará (Sespa), Nicolli Mendes, confirma essa análise sobre a importância da realização do pré-natal. "O pré-natal tem como objetivo acompanhar o desenvolvimento da gestação, identificando fatores de risco que possam interferir no desfecho deste período, reduzindo os riscos de mortalidade materna e infantil", afirma Mendes.

Para a realização das consultas, porém, persiste uma série de desafios, que se observa em Abaetetuba e em outros municípios da região amazônica. "Considera-se um dos principais desafios a cobertura de atenção básica dos municípios, a captação precoce de gestantes até a 12ª semana de gestação (até o terceiro mês) e a alta rotatividade profissional nos municípios", afirma Nicolli Mendes.

Além da dificuldade de logística e de permanência dos profissionais no interior, a coleta de dados epidemiológicos confiáveis e atualizados é outro problema que precisa de atenção. A nutricionista, epidemiologista e indigenista Juliana Licio trabalha com o tema da saúde nutricional na região amazônica e reforça a urgente maior atenção com atenção básica.

“Dada a escassez de dados, as informações sobre a população materno-infantil ainda são muito invisibilizadas”, comenta. A especialista destaca que a melhoria da cobertura pré-natal puxa para cima outros indicadores. “Melhorar e realizar o pré-natal, desde o início da gestação, possibilita prevenir o baixo peso ao nascer, orientar sobre a importância do aleitamento materno, acompanhar o ganho de peso materno e garantir a suplementação de sulfato ferroso às gestantes. Isso é importante porque as maiores prevalências de anemia ferropriva em mulheres em idade fértil e crianças menores de cinco anos estão aqui na região Norte”, afirma.

*Nota da redação: O levantamento incluiu todos os 217 municípios do Maranhão, embora pela legislação que define o território da Amazônia Legal, apenas parte do Estado seja considerado, com 181 incluídos na porção da Amazônia Legal. Dos 32 municípios com piores indicadores do Estado, apenas seis não estão na região da Amazônia Legal. A contabilidade observou todos municípios maranhenses, pois foram consideradas as 9 Unidades Federativas que compõem a Amazônia Legal brasileira. 

 

Glossário de termos

Solicitação feita pelos alunos-revisores da EEEM Antônio Lemos

Aleitamento: É o ato de alimentar um bebê com leite materno, fornecendo os nutrientes essenciais para seu crescimento e desenvolvimento. O leite materno contém anticorpos, nutrientes e hormônios  que fortalecem o sistema imunológico, promovem o desenvolvimento cerebral e reduzem o risco de infecções. Além disso, o aleitamento beneficia as mães, auxiliando na recuperação pós-parto, estabelecendo um vínculo emocional com o bebê e diminuindo o risco de certas condições de saúde, como câncer de mama e diabetes.