Por Natália Mello, para o Amazônia Vox. Revisão: Carla Fischer. Fotos: acervo regatão e Barbara Vale
O som do motor do barco corta o silêncio das águas enquanto a equipe do Instituto Regatão navega pelos rios da Amazônia. A bordo, mais que livros, instrumentos e outros materiais de apoio: sonhos e conexões entre as comunidades. É assim que o Instituto promove transformações sociais às margens dos rios, unindo proteção territorial com o fortalecimento da identidade de povos indígenas, quilombolas e tradicionais. Entre formação de agentes culturais e projetos que valorizam a cultura amazônica, a iniciativa embarcou em direção à concretização de um sonho maior ao participar do quadro The Wall, do Domingão com Hulk, que vai ao ar no próximo domingo, 2 de março.
O quadro The Wall apresenta um jogo em que uma "parede" tecnológica faz um desafio de perguntas e respostas de conhecimentos gerais, oferecendo um prêmio máximo de R$ 1,7 milhão. E foi em busca do sonho de ter um barco próprio para o projeto que os paraenses José Kaeté, Gil Borari, Marlena Soares e Zek Nascimento embarcaram rumo ao programa, veiculado em rede nacional. A intenção é facilitar o deslocamento para as comunidades com quem constroem relacionamentos e pensam, juntos, em iniciativas de manutenção dos territórios e valorização de saberes e culturas tradicionais. Para a equipe, é mais do que aparecer em rede nacional — é uma chance de fazer com que as vozes da floresta ecoem ainda mais longe.
No quadro, Gil Borari ficou responsável por responder as perguntas, enquanto José Kaeté direcionava o jogo. Marlena e Zek foram como convidados e integrantes do projeto e ficaram na plateia, na torcida e na emoção a cada rodada. “O sonho do nosso projeto hoje é conseguir comprar um barco para o Instituto, por isso decidimos tentar a sorte no The Wall", explicou José, conhecido como “Zé na Rede” na internet e que, assim como os companheiros de jornada, é um fazedor de cultura.
Atualmente, o trabalho do Instituto Regatão é feito por meio de barcos alugados, uma logística desafiadora para quem precisa navegar longas distâncias pelos rios da Amazônia. “Nós trabalhamos essa interseção entre cultura e clima na Amazônia. Por isso, optamos por levar o projeto do Barco Regatão ao programa, que é um barco que visita diferentes comunidades, seja para fazer formação de agentes culturais ou troca de experiências sobre a cultura. Ano passado fizemos quatro ou cinco viagens diferentes. Só que nosso barco é alugado, então a missão é ter um barco próprio", diz José.
Para Marlena Soares, o Instituto nasceu de um propósito maior, guiado pelas raízes e pela espiritualidade da região. “A criação do Instituto foi arquitetada pelos nossos ancestrais e pelos nossos encantados, porque nasce com o propósito de fortalecer a nossa potencialidade, o nosso modo de fazer, de ser, de pertencer a esse ecossistema tão bonito, diverso e plural que é a nossa Amazônia", destaca. A ativista cultural lembra que a região vem sendo pauta no mundo inteiro e, por isso, precisa se preparar para receber eventos, como a COP30, que ocorrerá em novembro de 2025. “Queremos preparar essas pessoas que compõem esse ecossistema, esse bioma, para receber melhor os visitantes que vêm participar da COP, buscando enaltecer a cultura amazônica nesse processo".
A ideia, segundo Gil Borari, é que a cultura das comunidades tradicionais sejam passadas de geração em geração e a cadeia produtiva das atividades desse ecossistema se torne uma economia sustentável para populações que vivem nessas localidades. “Somos um ponto de cultura itinerante que visa a promoção do intercâmbio entre as comunidades dos rios Tapajós, Amazonas, Trombetas e Arapiuns. Queremos fomentar a cadeia produtiva cultural dessas comunidades e vamos atuar por um ano navegando pelos rios das comunidades, fortalecendo o empreendedorismo criativo entre as comunidades", detalha.
O DJ e produtor musical Zek reforça que o projeto também vem para amplificar a voz e compartilhar ferramentas com as comunidades.. “A gente vai fazer viagens, imersões e intercâmbios com as comunidades ribeirinhas, promovendo formações culturais, técnicas e artísticas para que surjam novos artistas e profissionais nessas localidades que sejam capazes de desenvolver seus próprios projetos. Também vamos fazer a qualificação de negócios produtivos. Queremos que as comunidades criem seu próprio conteúdo para que estejam pautando o debate público e político sobre a Amazônia e sobre a cultura na Amazônia", concluiu.
Por que Regatão?
O nome escolhido atende a um chamado ancestral: o regatão era o nome do barco de um comerciante conhecido como regateiro. A profissão amazônica consistia, em tempos passados, em fazer o fluxo entre as comunidades e as cidades, levando medicamentos, trazendo produção de castanha e andiroba, por exemplo. Ou seja, o projeto ressignificou a palavra e transformou a troca por mercadorias em um "leva e traz” de conhecimento entre saberes e culturas. O foco principal é a cultura, porque, segundo seus organizadores, “somente a cultura é capaz de mobilizar uma comunidade em torno de algo e é o que mantém o território protegido. A cultura é esse aliado para proteger o território".
Instituto Regatão
Criado em 2023, com base em Alter do Chão - Santarém, no oeste paraense, o projeto é responsável pela realização de festivais multiculturais, feira de negócios da sociobioeconomia, execução de projetos de base comunitária, fóruns de debate, mapeamentos, vivências amazônias, e outros. O Instituto visa a manutenção da floresta em pé a partir não só da criação de produtos para atender uma demanda de mercado, mas sim para atender a um chamado ancestral de cuidar da floresta, mantendo seus territórios.
O trabalho é feito por meio de patrocínios diretos, editais de incentivo, articulação comunitária, parcerias institucionais, etc. Já movimentou mais de R$ 700 mil em recursos, com 19 mil pessoas de público envolvido, impactando mais de 400 postos de trabalho locais e 66 negócios comunitários. Além do Festival dos Rios, que teve a primeira edição ainda virtual em 2021, o Instituto Regatão já promoveu os eventos Regatão Cultural, Festival Amazônia de Pé, espetáculos de dança e exibição do Cine Regatão em comunidades.
Quem foram os participantes do The Wall?
Gilvana Borari - indígena Borari de Alter do Chão, é artista e mestra de artes cênicas com atuação há mais de 20 anos em festejos tradicionais da Amazônia. Está como conselheira de artes do Boi Caprichoso.
José Kaeté - indígena Tupinambá nascido em Capanema, é engenheiro, criador de conteúdo (@zenarede) e comunicador, com atuação em diferentes regiões da Amazônia - de sociobiodiversidade a cinema.
Marlena Soares - afroamazônida e ribeirinha nascida às margens do rio Amazonas, é filha de pescadores e tem ampla atuação com comunidades, cultura amazônica e negócios sustentáveis
Zek Picoteiro - DJ criado na periferia de Belém, atua como curador, pesquisador e produtor musical apaixonado pela cultura ribeirinha. Há mais de 10 anos atua na cena paraense para fortalecer a música produzida localmente
Estrutura organizacional - Instituto Regatão
Marlena Soares - presidenta
Gil Borari - vice-presidenta
Elen Acioli - diretora institucional
Ezequias Nascimento - diretor de administração e finanças
Rodrigo Viellas - diretor de projetos
José Kaeté - diretor de narrativas amazônicas
Conselho Fiscal
Gael Licata e Lanny Borari