“COP 30 precisa ser a COP das pessoas e da ciência”, afirma Ana Toni

25/09/2024 19:19

Daniel Nardin, de Nova York

Um dos caminhos para que o Brasil possa avançar nos compromissos oficiais de redução de emissões de gases de efeito estufa é vincular mais as políticas públicas com a ciência. O desafio de unir mais cientistas e agentes políticos foi o tema central de um debate promovido pelo Instituto Arapyaú, Uma Concertação pela Amazônia e o Instituto Clima e Sociedade (iCs) na terça-feira (24), durante a Semana do Clima em Nova York.

No encontro estiveram a secretária nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Ana Toni, o embaixador André Corrêa do Lago, que também é secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores e Johan Rockström, um dos maiores cientistas de clima do mundo.

De acordo com Ana Toni, o governo brasileiro tem buscado realizar encontros entre cientistas climáticos e membros do alto escalão do governo, para dar direcionamentos para as políticas públicas com essa abordagem. “Não tem lugar melhor pra debater ciência e clima do que a COP 30 na Amazônia e em Belém. A ciência da preservação, da restauração. A COP 30 será um desafio para todos nós, muita gente, muitos tópicos, mas temos muito o que mostrar. Temos uma oportunidade, porque temos muitos bons cientistas, e porque temos ciência tropical no Brasil, algo que poucos países têm para o foco em agricultura e uso da terra”, disse.

Para ela, a COP 30 deve ter uma agenda de ação focada na ciência. “Para que possamos exibir a ciência que queremos e precisamos. E, obviamente, como podemos fortalecer os países do Sul, como o Brasil, para avançar ainda mais na ciência que tanto precisamos. Acho que ter a ciência no centro da COP é essencial. O presidente Lula já disse que queremos uma COP das pessoas. E poderíamos acrescentar que seria uma COP das pessoas e da ciência”, afirmou. 

NDCs: Foco do país deve ser combate ao desmatamento e reflorestamento

Para a secretária, o uso da terra deve ser o principal foco do país para atingir as metas oficiais, chamadas Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês). O Brasil se comprometeu internacionalmente a reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 48% até 2025 e em 53% até 2030, em relação às emissões de 2005. E, com isso, o país busca alcançar a emissão líquida zero em 2050.

“Temos uma meta para 2025, que é amanhã, basicamente. O que vai nos fazer atingir essa meta? O que vai nos fazer atingir a meta em 2030 é definitivamente o uso da terra. Sabemos disso, o que não significa que os outros setores não precisam fazer nada, muito pelo contrário. Mas esses setores vão precisar ajudar o setor de uso da terra a alcançar esses objetivos, porque é onde podemos obter resultados mais rápidos. Parar o desmatamento é muito mais barato do que mudar toda uma indústria. Então, por que não paramos isso primeiro?”, questionou.

Porém, Ana Toni reforçou que outros setores deverão apoiar as ações na área da agricultura, pecuária, setor florestal, entre outros. “Acho que o debate é esse: o quanto isso (frear desmatamento) tem consequências de várias maneiras e não pode ser apenas o setor agrícola que arca com essas consequências. Isso precisa ser compartilhado entre todos os setores, para que eles possam compensar as pessoas que tinham permissão legal para desmatar. Oferecer incentivos para essas pessoas não desmatar, porque é melhor para o Brasil como um todo”, pontuou.

Para ela, essa mudança é urgente e o país poderá dar mais sinais efetivos de realinhamento até a COP 30. “Estamos crescendo e estamos crescendo de forma mais poluente do que no passado. O reflorestamento e o fim do desmatamento é o que colocará o Brasil no caminho certo, pelo menos até 2030, e os outros setores, ao fazerem isso, poderão chegar um pouco mais tarde em termos de redução de emissões”, afirmou.

Ciência para monitoramento pode apoiar credibilidade de ações de preservação

Também presente no debate, o embaixador André Corrêa do Lago, um dos cotados para ser o Presidente da COP 30 em Belém, destacou que esse enfoque na ciência será um dos caminhos para não só o evento no Brasil, mas para enfrentar outros desafios e problemas na região nos próximos anos. 

“Temos trabalhado e avançamos nas discussões com outros países durante os Diálogos Amazônicos, em Belém, em agosto do ano passado. O que e como o Brasil pode realmente dar contribuição efetiva para políticas mais lógicas e eficazes com relação às florestas. Estamos vendo muitas tendências negativas na Amazônia. O crime organizado cresceu enormemente, e também há crimes transnacionais acontecendo. E se você trabalha bem em um país, o crime se move para outro. Por isso, realmente precisamos ter uma coordenação muito forte entre os países da Amazônia”, avalia.

 

Por conta de projetos ou metas não atingidas, a credibilidade das ações pode ser abalada, o que reforça a importância da presença da ciência nos debates, indicando causas e possíveis caminhos. “Há também uma tendência internacional de perder confiança em projetos florestais por causa daqueles que não funcionaram. A verificação é complicada, o monitoramento é complicado, e aí você tem incêndios, e isso é muito perigoso, pois não podemos perder a fé na importância da restauração e da conservação”, comentou.

Nesse sentido, de maior espaço para a ciência, Corrêa do Lago acredita que o país pode avançar mais. “O Brasil, país que tem mais florestas tropicais, também é um país que tem muitos cientistas excelentes, acadêmicos muito bons e ótimas experiências empresariais com florestas tropicais. Acreditamos que essa é uma contribuição muito importante que o Brasil pode oferecer na preparação da COP 30.

Diálogo entre ciência e política precisa ser pautado na honestidade

Para Cintya Feitosa, especialista em Estratégias Internacionais do Instituto Clima e Sociedade (iCS), já existe uma sinalização muito clara da ciência sobre o que precisa ser feito numa janela muito curta de tempo para reduzir as emissões, mantendo a possibilidade de cumprir a meta mais ambiciosa do Acordo de Paris, firmado em 2015, que é de limitar o aquecimento global a 1,5 graus até o fim do século.

“A gente precisa, globalmente, agir muito rápido para que isso seja alcançado em termos de redução de emissões. As próximas NDCs dos países devem refletir o que a ciência já preconiza”, afirma. O ponto agora é implementar ações efetivas para o alcance das metas. “A ideia é como a gente pode construir, numa conversa que vai ser muito viva e intensa, até a COP 30 no Brasil uma plataforma de honestidade, em que os países, os governos e empresas dialoguem sobre as dificuldades que existem de implementação e a ciência também seja mais clara e ajude mais a apontar quais são as políticas a serem feitas nos próximos anos”, afirmou.

A realização da COP no Brasil e na Amazônia poderá reforçar a visibilidade e apoio para a ciência produzida na região. É o que reforça a diretora geral do Instituto Arapyaú,  Renata Piazzon. “A gente vem apoiando com projetos, incluisve com grupos de pesquisas de cientistas indígenas, para produzir conhecimento sobre a Amazônia. Então essa união entre o conhecimento tradicional e indígena com conhecimento científico faz parte do nosso apoio em ciência. A ciência é um tema que pode nos unir como país, porque a ciência é fundamental quando a gente pensa em desenvolvimento da Amazônia, desenvolvimento do Brasil”, reforçou.

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