Longe da polêmica do nome, extrativistas do Amapá sofrem com baixa produção de castanha

Enquanto redes sociais e deputados alimentam polêmica acerca do nome da castanha, quem vive da coleta em reservas extrativistas na Amazônia sente efeito das mudanças climáticas que fizeram a produção despencar em até 70%


Laranjal do Jari, Amapá - 22 de abril de 2025

Com reportagem de Ruanne Lima e edição de Daniel Nardin e Carla Fischer. Imagens de Rogério Lameira. Revisão textual e edição colaborativa pelos alunos da Escola Estadual Antônio Lemos, de Santa Izabel do Pará, com supervisão da professora Marcela Castro. Trilha sonora de Robenare Marques.

No início do mês, deputados estaduais da Assembleia Legislativa do Amazonas estiveram reunidos e aprovaram um projeto de lei que determina a denominação da chamada Castanha-do-Pará no Estado para Castanha da Amazônia (Bertholletia excelsa). Também chamada de Castanha do Brasil por empresas exportadoras, a nova proposta de lei acaba reacendendo uma  polêmica sobre identidade e território que, de tempos em tempos, volta à tona, ainda mais impulsionada pelas redes sociais.

Distante dali, mais de 800 quilômetros em linha reta, nas comunidades que vivem dentro da Reserva Extrativista do Rio Cajari, no município de Laranjal do Jari, no Amapá, a preocupação dos moradores é outra. As altas temperaturas impactaram a produção deste ano e está faltando castanha, seja ela chamada do Pará, da Amazônia ou do Brasil. 

A Resex do Rio Cajari, como é chamada, é uma Unidade de Conservação, de uso sustentável, administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), onde vive uma população de, aproximadamente, 2 mil pessoas. Fica localizada a mais de 260 quilômetros da capital do Estado, Macapá.

No local, todas as famílias que vivem nas comunidades da Resex tem na castanha uma das principais fontes de renda. A safra é anual, e os ouriços (casca dura, em formato de esfera, que protege as sementes, chamadas de castanhas), que começam a cair em meados de janeiro. Quando a safra é boa, a coleta pode se estender até o mês de junho. Mas, não foi o que aconteceu em 2025. Já é o quarto mês do ano e a comunidade praticamente não encontra ouriços, o fruto da castanheira e de onde se extrai a castanha, para coletar.

De acordo com o pesquisador Marcelino Guedes, da Embrapa Amapá (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), este ano será um dos mais severos para os castanheiros, considerando as duas décadas que ele estuda o tema na região. Segundo ele, a baixa produtividade é um dos efeitos do fenômeno climático El Niño, que ocorreu em 2023 e 2024, e afetou fortemente a Região Amazônica, causando o aumento da temperatura em dois graus celsius O que deixa pesquisadores, coletores e toda uma cadeia produtiva preocupada é a frequência cada vez maior e mais intensa desses fenômenos, o que por sua vez tem origem nas mudanças climáticas.

Vale lembrar que a Organização Meteorológica Mundial, OMM, confirmou no início deste ano que 2024 foi o ano mais quente já registrado. De acordo com os dados, pela primeira vez, a temperatura global esteve acima do limite de 1,5 °C. As altas temperaturas do ano passado superaram o recorde de calor de 2023 e manteve tendência de alta da última década.

Efeito das altas temperaturas: demanda alta com baixa produção faz preços subirem

“Há 20 anos estudamos os efeitos da crise climática nas castanheiras da Resex, mas do jeito que está acontecendo agora, e como aconteceu em 2017, não é normal. Mesmo com o solo molhado por causa das chuvas, a água não consegue chegar até a copa das árvores. O aumento da temperatura prejudica as proteínas que fazem a água chegar ao topo das castanheiras, o que impede o florescimento e, por consequência, o fruto da castanha”, explicou Guedes. 

Com o “sumiço” da castanha, o jeito foi aumentar o preço, para manter a renda familiar, e migrar para outras produções como do açaí, pupunha, macaxeira e banana. Foi o que disse a agroextrativista Maria Furtado, moradora da Comunidade Água Branca. “Neste ano a gente conseguiu coletar somente 30 hectolitros (equivalente a 100 litros) de castanha, mas quando ela carrega mesmo dá entre 60 e 70 hectolitros”, disse. 

Durante os anos de boa produção, um hectolitro é vendido, em média, a R$300 reais. Hoje, o valor cobrado é R$1.200. Maria Izanete Pereira, tem 61 anos de idade e é castanheira há mais de 40. Quando jovem ela ia para o meio da mata fazer a coleta dos ouriços, mas agora se dedica a confecção de biscoitos, um dos derivados da castanha.

“Neste ano, nossos castanhais não deram quase nada. A gente conseguiu tirar só três barricas (hectolitros) para fazer biscoitos. E eu não vou pagar R$1.200 numa barrica para trabalhar”, explicou Maria Izanete. O esposo, o agroextrativista José Floriano Ribeiro, é quem faz a coleta dos ouriços na mata e na área de roça, onde tem plantado novas castanheiras. Ele tem esperanças de que em 2026 o cenário seja outro. 

“Agora para esse ano que vem a gente está esperando que dê alguma coisa. O preço até foi bom e ninguém reclama dos compradores, mas não teve castanha e a renda diminui pela metade. A nossa castanheira da roça está cheia de flor e ouriço, então ano que vem vai dar bastante. Em janeiro e fevereiro ela vai começar a soltar”, celebra José Floriano. 

Cultura alimentar dos biscoitos artesanais produzidos por mulheres também é prejudicada

Na região, é comum encontrar pequenos comércios e vendas, ao longo da rodovia BR-156, com venda de produtos artesanais, especialmente biscoitos e outros derivados da castanha. E é na Comunidade de Água Branca onde fica a sede da Associação de Mulheres Agroextrativistas do Alto Cajari. Ao todo são 100 associadas, mas hoje apenas 40 estão trabalhando diretamente na produção dos biscoitos. A associação, que tem mais de 20 anos de fundação, se mantém com o contrato do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

Segundo a presidente, Elziane Ribeiro de Souza, para conseguir cumprir com o contrato vigente, o jeito foi fazer um estoque de castanhas. “Nesse último contrato nós vamos entregar 7 mil quilos de biscoito para a Conab. Começamos a produzir no ano passado e vamos concluir agora em 2025. As mulheres estão cientes que precisam guardar uma parte da produção para cumprir o contrato. Mas, infelizmente, com a falta da castanha, tivemos que reduzir o valor do biscoito”, lamenta a presidente. 

Já a vice-presidente da Associação, Adriana Viana, que vende biscoitos de forma individual no mercadinho da família, que fica à beira da estrada, diz que manter essa produção ao longo do ano vai ser difícil. “Os produtos aumentaram e quem vende aqui na BR-156 vai ter que parar. Daqui para junho não vai ter como comprar nem uma lata de castanha, porque não vai ter”, alerta Adriana. “Tem pessoas que passam aqui nos ônibus que vêm com pouco dinheiro, e não vão conseguir comprar um pacotinho de biscoito por causa do preço”, completou. 

Projeto estimula renovação de castanhais com novas mudas na região

Apesar do momento difícil, de acordo com Marcelino Guedes, há esperança para os próximos anos. A Embrapa Meio Ambiente, que também envolve todas as Embrapas da Região Amazônica, desenvolveu o projeto "Novas soluções tecnológicas e ferramentas para agregação de valor à cadeia produtiva da castanha", custeado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). O estudo é baseado na necessidade da renovação dos castanhais, para garantir a produção frente às ameaças climáticas. 

“O foco do trabalho é atuar diretamente com os agroextrativistas e com as comunidades tradicionais da Amazônia. Muitas pessoas pensam que a castanha nasce no supermercado e não relacionam que isso vem de uma floresta que tem que ser mantida em pé para continuar tendo castanha. Então com essa questão do abstrato, muitas pessoas não entendem e não valorizam a importância da floresta em pé”, afirmou Guedes. 

Uma das estratégias que a Embrapa vem trabalhando para mitigar os efeitos da crise climática é a renovação dos castanhais. O projeto mostrou que plantar e proteger essas árvores em áreas de roça e capoeira pode torná-las mais resistentes ao aumento da temperatura. Para acelerar esse processo, algumas práticas de manejo como a limpeza de cipós ao redor das árvores, a remoção de folhas, e até as queimadas controladas podem ajudar.

Além disso, técnicas como a poda e o desbaste (técnica de remoção seletiva de árvores para garantir mais exposição à luz) ajudam a fortalecer as castanheiras, garantindo que elas cresçam saudáveis e resistam mais às mudanças climáticas. O estudo destaca que esse tipo de manejo não só aumenta a produção de castanhas, mas também contribui para a preservação da floresta e a sustentabilidade das comunidades agroextrativistas.

“O aumento do preço tem um motivo, que é a queda da produção causada pelo efeito climático drástico, mas isso é temporário. Esse preço não vai se manter todo tempo nas alturas. Como aconteceu em 2017, que foi um ano de baixa produção, e nos anos seguintes - 2018 e 2019 - houve alta. Então, a expectativa é que se tenha uma recuperação nos próximos anos, mas o clima é um fator fundamental para isso”, explicou o pesquisador.

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