Dia dos Povos Indígenas: escutar é reconhecer saberes e protagonismo

19/04/2025 10:38

Por Natália Mello e Samantha Mendes, sob supervisão da jornalista Carla Fischer 

Foto capa: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Uma data comemorativa marca o dia 19 de abril uma vez ao ano desde 1943, mas são mais de 500 anos de luta pelo reconhecimento de propriedade de território, pelo respeito à diversidade étnica e pela valorização dos saberes ancestrais dos povos indígenas. Hoje, pouco mais de 300 etnias que ainda resistem dentre as cerca de 1.500 que existiam no Brasil do cocar carregam o simbolismo desse título e buscam ocupar, cada dia mais, instâncias de decisão política, na literatura, no jornalismo, na ciência, na educação e onde mais quiserem. No Dia dos Povos Indígenas, o que eles exigem é muito simples: respeito e escuta.

Pesquisadora da UFPA, Lorena Esteves

Amplificar as vozes dos povos indígenas é o primeiro passo para possibilitar o protagonismo desses grupos nos espaços de poder, na contramão do rastro de silêncio e apagamento históricos deixados pela colonização. Mas, segundo a pesquisadora Lorena Esteves, autora da tese de doutorado “Ativismo de mulheres indígenas em ambientes digitais: diálogos sobre (de)colonialidades e resistências comunicativas”, a medida das opressões é proporcional ao processo de resistência desses povos.

“Assim como as opressões são interseccionais, os processos de resistência também o são. Quando eles estão resistindo a uma opressão que recai sobre o território, também estão resistindo à opressão sobre o corpo e o espírito. E é muito importante entendermos o que eles denominam de dimensão sagrada, que é uma unidade feita do território, corpo e espírito, entendendo isso como uma coisa só, uma relação de comunhão entre essas três dimensões. Então, quando falam das opressões sobre o território, também estão falando das opressões sobre o corpo e sobre o espírito", explica a jornalista. 

A pesquisa de Lorena mostra que o processo de resistência ganhou novo impulso com a apropriação das tecnologias nos espaços digitais. Lorena acompanha a atuação de comunicadoras indígenas no Acampamento Terra Livre desde 2020 e evidencia que “as redes sociais têm sido fundamentais para mobilizar, denunciar, disseminar informações e estabelecer conexões com outros povos e que esta forma de comunicação faz parte da luta”, o que mostra como o território digital tem sido integrado às estratégias de enfrentamento das opressões coloniais.

Por fim, a jornalista lembra a importância das tecnologias para mobilização desses povos, que utilizam os meios para fazer denúncias, para compreender o que está ocorrendo com outros povos, para vocalizar e amplificar suas vozes para além de seus territórios, e para trazer informações do mundo para dentro de onde vivem. “A tecnologia tem papel fundamental na centralidade dos processos de resistência", diz . “O Brasil precisa conhecer mais sobre as mulheres e os povos indígenas. Temos muito que aprender sobre a coletividade, sobre a não exploração, a não monocultura dos afetos e dos recursos, e só vamos fazer isso escutando, lendo e buscando informação com fontes indígenas", conclui. 

Representatividade fortalece pauta indígena

Indígena Tapajó-Arapiun, Ayla Tapajós 

Graças à luta incessante de lideranças, ativistas, pesquisadores e comunicadores indígenas, como é o caso da jornalista e membra da Articulação Brasileira de Indígenas Jornalistas, Ayla Tapajós, e do comunicador popular Zé Kaeté, esse cenário de ocupação vem em uma crescente. A visibilidade de suas pautas vem se fortalecendo e ampliando a compreensão sobre as questões e contribuições dos povos originários.

Indígena Tapajó-Arapiun, a jornalista Ayla Tapajós traz uma reflexão sobre a retomada da palavra e a reconstrução de narrativas. Mestranda em direitos humanos e cidadania pela Universidade Nacional de Brasília (UNB), a responsável pelo documentário “Resistência Cultural”, lembra que até bem pouco tempo, não eram maioria ou sequer faziam parte dos espaços de decisão, seja no governo, no serviço público, nas universidades.

“Foi com a política de cotas, que completou 20 anos no ano passado, que essa possibilidade se massificou. Nossa geração é a que mais ocupa as universidades e isso nos dá mais autonomia e lugar de fala. Hoje, somos nossas próprias fontes — nós mesmos falando sobre nós. Antes, nossos corpos eram apenas objetos de estudo. Agora, somos nós quem contamos a nossa história a partir da nossa perspectiva. Falar a partir do nosso olhar, da nossa leitura de mundo, é também garantir autonomia enquanto pessoas indígenas, atuando não só dentro da sociedade, mas como parte das soluções para o futuro do planeta", pontua Ayla.

A jornalista também destaca a importância de ocupar espaço na pesquisa, na comunicação e na ciência, porque isso é o que dá luz à ciência indígena e à tecnologia ancestral dos povos. “Foi essa ciência e essa tecnologia que permitiram que a vida no planeta fosse possível, e que ainda sustentam formas de cura, de conhecimento e de existência. Diante da crise climática, somos barreiras vivas contra o desmatamento, o avanço do agronegócio, da mineração — atividades que ameaçam não só os territórios indígenas, mas a vida humana como um todo", finaliza.

Indígena Tupinambá, Zé Kaeté - Foto: Mullu TV

Indígena Tupinambá nascido em Capanema, Zé Kaeté é engenheiro e criador de conteúdo na internet. O comunicador reforça que a escuta das vozes indígenas deve ser constante e não restrita a datas comemorativas. “É preciso parar de tratar indígenas como pautas apenas em datas comemorativas. As vozes indígenas devem ser ouvidas de forma contínua. Elas são protagonistas e possuem contribuições essenciais sobre questões como política, meio ambiente, saúde e educação. Isso não é uma questão de um dia, mas de todos os dias”, afirma. 

“A contribuição dos povos indígenas acontece há muito antes da criação das universidades ou do sistema atual de educação. Já ensinávamos, curávamos, observamos o céu e organizávamos nossas comunidades com sabedoria própria. A colonização foi o momento em que se passou a ouvir mais o que vinha de fora, apagando o valor dos nossos saberes", concluiu.

Neste Dia dos Povos Indígenas, o convite é claro: ouvir com mais frequência e profundidade. E não apenas no dia 19 de abril, mas ao longo de todo o ano. A escuta deve ser atenta e respeitosa, com o objetivo de construir um futuro de justiça, representatividade e coletividade.

No Amazônia Vox, reconhecemos a importância de uma escuta contínua e estruturada. Por isso, segue aqui uma lista de fontes com lideranças, ativistas, pesquisadores e comunicadores indígenas, a fim de facilitar o acesso a essas vozes fundamentais.


Conheça alguns dos indígenas ativistas, pesquisadores e lideranças que fazem a diferença e integram o Banco de Fontes do Amazônia Vox:

Amazonas
Davi Kopenawa Yanomami – Xamã e porta-voz Yanomami, conhecido como "Dalai Lama da floresta". Liderou a campanha pela demarcação do território Yanomami, reconhecido em 1992.https://amazoniavox.com/fontes/view/458/Davi_Kopenawa

Joênia Wapichana – Primeira mulher indígena eleita Deputada Federal no Brasil. Advogada, mestre pela Universidade do Arizona, é referência na defesa dos direitos e territórios indígenas.https://amazoniavox.com/fontes/view/465/Joenia_Wapichana

Acre

Eliana Nukini -  É professora e atua na aldeia de Mâncio Lima, no Acre, em uma escola que atende a oito comunidades indígenas. Ela leciona disciplinas que abrangem sociologia, filosofia, geografia, além de saberes indígenas e projetos de vida. 

https://amazoniavox.com/fontes/view/527/Eliana_Nukini

Amapá

Keyla Palikur - Artista que atua com cultura indígena e arte digital. Suas obras promovem identidade regional e protagonismo feminino, com presença em exposições nacionais.

https://amazoniavox.com/fontes/view/730/Keyla_Palikur

Maranhão 

Sônia Guajajara -  Líder do povo Guajajara/Tentehar, deputada federal por SP e atual Ministra dos Povos Indígenas. Reconhecida pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. https://amazoniavox.com/fontes/view/459/S%C3%B4nia_Guajajara

Mato Grosso

Cacique Raoni - Líder Kayapó (Mebêngôkre), referência na luta indígena e ambiental. Reconhecido internacionalmente desde os anos 1980 por sua defesa dos povos indígenas e da floresta.

https://amazoniavox.com/fontes/view/449/Cacique_Raoni

Pará

Puyr Tembé -  Primeira titular da Secretaria dos Povos Indígenas do Pará. Ativista, já presidiu a Federação dos Povos Indígenas do estado e é cofundadora da Anmiga. https://amazoniavox.com/fontes/view/363/Puyr_Temb%C3%A9

Roraima

Nailson Wapichana - Comunicador, ativista e líder do povo Wapichana. Atua no CIR e COIAB, fortalecendo movimentos indígenas em Roraima e na Amazônia.

https://amazoniavox.com/fontes/view/743/Nailson_Wapichana

Tocantins

Narubia Silva Werreriá - Ativista, artista e presidente do Instituto Indígena do Tocantins. É do povo Iny e destaca-se pela defesa dos direitos indígenas em diversas frentes culturais e políticas. https://amazoniavox.com/fontes/view/225/Narubia_Werreri%C3%A1

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