Por Laura Guido. Revisão Carla Fischer/ Fotos: Alberto César Araújo e Paulo Santos. Foto capa: divulgação.
A Amazônia sempre esteve no centro das disputas, seja por território, recursos ou por narrativas. Mas nem sempre esteve no centro da pauta. Antes de o mundo voltar os olhos para a região, atraído pelas emergências ambientais ou pelas tendências digitais, jornalistas já estavam aqui, com microfone em mãos ou escrevendo a história de diversas pautas amazônidas. Neste 7 de abril, Dia do Jornalista, o Amazônia Vox presta homenagem a quem ouve, comunica e transmite as narrativas amazônicas com o olhar de dentro do território. Destacamos três nomes que há tempos constroem um jornalismo amazônida: Kátia Brasil, Fábio Pontes e Lúcio Flávio Pinto.
Katia Brasil - Foto: Alberto César Araújo
Kátia Brasil, cofundadora da Agência Amazônia Real, é jornalista formada pela Faculdade de Comunicação e Turismo Hélio Alonso, no Rio de Janeiro. Desde 1990, quando trocou o Sudeste pela Amazônia, contribui com algumas das principais redações do país; como Folha de São Paulo, O Globo, TV Cultura, O Estado de São Paulo; sempre com o compromisso de contar a região por dentro, com o cuidado de quem escuta antes de escrever.
Sua atuação, hoje centrada na Amazônia Real, é marcada por um jornalismo investigativo feito em aliança com os povos da floresta. Mais do que produzir reportagens, Kátia tem buscado formar novas gerações de comunicadores indígenas e tradicionais, plantando sementes de autonomia narrativa onde por muito tempo houve apenas silêncio ou distorção.
Ao lado da jornalista indígena Elaíze Farias, com quem fundou a agência, Kátia propõe uma comunicação contra-hegemônica, independente e com voz própria. “Nós criamos a Amazônia Real com o objetivo de fazer uma redação com equidade e diversidade étnico-racial, para fomentar a profissão e formar repórteres negros, indígenas, que comecem e aprendam o jornalismo investigativo. Isso é essencial para a democracia”, afirmou em discurso ao receber o prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira.
Kátia também relembrou os desafios enfrentados no início da carreira, quando decidiu seguir o sonho de ser jornalista na Amazônia, inspirada por nomes como Lúcio Flávio Pinto e Zuenir Ventura. “Em 1990, o jornalismo já enfrentava uma crise e não havia muitas oportunidades - especialmente para uma mulher jovem e negra, como eu. Quase desisti, mas persisti porque acreditava no meu sonho. Jornalismo é, acima de tudo, o exercício do direito dos cidadãos.”
Ela também destacou os desafios atuais enfrentados pelo jornalismo independente e deu um recado direto para os jovens: “Façam suas próprias mídias. Procurem parcerias, criem algo novo, contem histórias com ética e responsabilidade. Não aceitem financiamento de empresas que cometem crimes ambientais ou violentam os direitos dos povos tradicionais. Não existe reparação para quem tem sangue indígena em sua história.”
Fábio Pontes - Foto: Gleilson Miranda/Varadouro
Outro nome de destaque é o do jornalista acreano Fábio Pontes, com duas décadas de cobertura dedicada à Amazônia, atualmente é editor do Jornal Varadouro, um jornalismo que defende a Amazônia e as populações das florestas. Seu trabalho foca em temas sensíveis e urgentes como meio ambiente, mudanças climáticas, crises migratórias, política regional e a realidade dos povos originários. Ele acredita que comunicar a partir da região é, sim, um diferencial, mas que isso exige preparo. “Não basta ser da Amazônia ou assumir esse lugar de fala. É preciso qualificação, repertório, leitura e escuta dos cientistas e pesquisadores da própria região.”
Fábio também reforçou a importância de formar uma nova geração de jornalistas amazônidas comprometidos com a pauta socioambiental: “Essa cobertura precisa ser ocupada por quem vive essa realidade no dia a dia. Nós, da Região Norte, temos a oportunidade de viver na prática a Amazônia e suas múltiplas realidades, mas também temos o dever de nos qualificar. É preciso conhecer a fundo as particularidades sociais, econômicas, ambientais e geográficas da região para fazer um jornalismo mais comprometido, a partir da Amazônia, para a Amazônia.”
Ele também defende a importância de um jornalismo que se aprofunde nas diversidades da Amazônia, rompendo com estereótipos e assumindo o papel de preservar a memória da região. Um exemplo dessa atuação da imprensa pode ser resgatado ainda no século XIX, durante a Cabanagem, a maior revolta popular da Amazônia. Naquela época, jornais como “O Paraense” e “Civismo” foram ferramentas essenciais para construir e disputar narrativas sobre o conflito, mostrando o poder da imprensa como um meio de resistência e disputa simbólica.
Esse ponto de vista histórico é aprofundado na tese de doutorado “Entre batalhas e papeis: a Cabanagem e a imprensa brasileira na menoridade (1835-1840)”, de Luciano Demetrius Barbosa Lima. O pesquisador destaca que, embora jornais não circulassem regularmente em Belém durante o auge da revolta, periódicos de outras regiões como “Correio Official” e “O Sete d’Abril”, do Rio de Janeiro, e o paraense “Treze de Maio”, contribuíram para a construção de uma memória nacional sobre a guerra cabana. Lima propõe que a narrativa desse movimento precisa ir além dos documentos oficiais, incorporando os registros jornalísticos como fontes legítimas de memória histórica.
Lúcio Flávio Pinto - Foto: Paulo Santos
E se é de resistência que falamos, o nome de Lúcio Flávio Pinto não poderia faltar. Com mais de 50 anos de atuação, Lúcio é um dos grandes nomes do jornalismo investigativo brasileiro. Atuando majoritariamente no Pará, ele se projetou por denunciar corrupção, desigualdades e abusos de poder, sempre mantendo uma postura crítica, mesmo diante de censuras e processos.
Jornalista profissional desde 1966, Lúcio Flávio Pinto passou pela redação de grandes veículos como “O Estado de S. Paulo”, onde foi repórter por 18 anos. Em 1988, deixou a grande imprensa para se dedicar ao “Jornal Pessoal”, iniciativa própria que conduziu de forma independente em Belém até 2019. Ao longo de sua carreira, já publicou 21 livros individuais, todos sobre a Amazônia.
Seu mais recente livro, “Como me tornei um Amazônida: Memórias de um jornalista investigativo na maior floresta tropical do planeta”, lançado em fevereiro de 2025, reúne bastidores de suas reportagens e reflexões sobre os desafios de comunicar a Amazônia, muito antes do boom digital que hoje impulsiona novas pautas. A obra está disponível na Amazon.
Neste Dia do Jornalista, o Amazônia Vox celebra não apenas nomes, mas trajetórias que resistem, constroem e defendem um jornalismo ético, local, responsável e plural. Um jornalismo que fala com a Amazônia e a partir dela. Em um ano decisivo, com a realização da COP 30 em Belém, nunca foi tão importante reconhecer e valorizar as vozes que há tempos contam as histórias que o mundo ainda está aprendendo a ouvir.