“Povos indígenas terão um papel nesta COP como nunca tiveram em outras”, afirma André Corrêa

28/02/2025 21:14

Por Daniel Nardin, com colaboração de Laura Guido e Carla Anastácia

Durante uma hora, o embaixador André Corrêa do Lago, que terá o desafio de coordenar as negociações e presidir a 30a edição da Conferência das Partes da Organização das Nações Unidas (COP 30) respondeu dezenas de perguntas feitas por jornalistas internacionais que integram a rede de jornalistas climáticos, da Universidade de Oxford. Com mediação do jornalista e coordenador da Oxford Climate Journalism Network, Diego Arguedas Ortiz, Corrêa do Lago respondeu na quinta-feira (27), diversos questionamentos sobre os preparativos da COP 30, tanto em relação à estrutura como ao foco que o país deve direcionar às negociações. 

A entrevista ocorreu no mesmo dia em que a COIAB (Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira) entregou ao embaixador uma carta em que apresenta as demandas políticas do movimento indígena da Amazônia brasileira para a COP-30.

O primeiro item do documento reforça a cobrança por uma co-presidência da COP para os povos indígenas. Questionando sobre essa demanda, André não confirmou a oficialização do cargo, mas disse que “Povos indígenas terão um papel nesta COP como nunca tiveram em outras”. Segundo ele, a presidência da COP tem trabalhado em proximidade com a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara. “A decisão do presidente Lula de realizar a COP na Amazônia tem um simbolismo extraordinário. Temos discutido com a ministra Guajajara como podemos estabelecer um conselho especial de povos indígenas—um conselho internacional de povos indígenas—acompanhando todos os temas”, afirmou. 

O coordenador da Oxford Climate Journalists Network, Diego Ortiz, durante entrevista com André Corrêa do Lago

André defende que a participação indígena não esteja ligada somente aos assuntos relacionados aos povos tradicionais. “Porque há uma tendência de pensar que os povos indígenas deveriam se preocupar apenas com determinados assuntos. Não deve ser assim e nós concordamos com as lideranças indígenas que eles devem ter voz em tudo. E, portanto, queremos que eles estejam muito mais presentes—não apenas tendo que lutar pelo espaço que obviamente merecem quando seus temas são discutidos”, apontou.

Sobre o fato desta edição receber o slogan de “COP das Florestas”, Corrêa do Lago destacou que a questão florestal também será uma dimensão importante da COP. “Nas negociações, esse tema não é exatamente um dos principais pontos. Mas, na nossa agenda de ação, as florestas terão um foco muito importante. E, nesse contexto, os povos indígenas não apenas defendem seu direito de continuar vivendo nesses territórios, mas também o reconhecimento de como eles têm conseguido viver nas florestas por milhares de anos—e em muitos outros biomas do mundo—preservando-os. Portanto, sem dúvida temos muito para todos nós aprendermos com eles”, comentou. “Acreditamos que esta COP será um momento decisivo para o reconhecimento da contribuição dos povos indígenas. Por isso, eles certamente terão um papel de grande relevância nesse debate”, concluiu.

Exploração de petróleo na Amazônia é “debate interno”, diz Corrêa do Lago 

Durante a entrevista, vários jornalistas questionaram Corrêa do Lago sobre a atual polêmica do embate entre o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e a Petrobras, que solicita autorização para iniciar estudos e exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial, que tem parte localizada na área marítima no Norte do país, na foz do Rio Amazonas, entre o Amapá e o Pará. 

André Corrêa do Lago, sob o olhar de Marina Silva, em coletiva para a imprensa durante evento em Brasília. Foto de José Cruz - Agência Brasil

Sobre esse ponto, André Corrêa do Lago iniciou a abordagem resgatando que o Brasil foi uma das vítimas da crise de petróleo na década de 1970 e direcionou esforços para as energias renováveis. Mas, nas últimas décadas, essa dinâmica mudou. “ Planejamos nosso desenvolvimento com a premissa de que não possuíamos reservas de petróleo suficientes para seguir um modelo tradicional de crescimento. Mas duas coisas mudaram consideravelmente. Primeiro, as energias renováveis se tornaram uma tendência global, mesmo para países que possuem petróleo. E segundo, descobrimos grandes reservas de petróleo”, explicou.

Corrêa do Lago destacou então que, hoje, o Brasil é um país não só produtor, mas também exportador de petróleo. “Essa é uma realidade com a qual o país precisa lidar. Neste ano, o petróleo será nossa principal exportação. Isso muda completamente a perspectiva de desenvolvimento do Brasil. Então, como lidamos com isso? Esse é um debate que a sociedade brasileira está tendo neste momento e este é um debate muito importante”, disse.

Para ele, o debate sobre a exploração de petróleo na Margem Equatorial é interno - destacando em diversos pontos esse aspecto em sua resposta. “Existe a perspectiva de que possa existir petróleo na Margem Equatorial, ao norte da Amazônia. Esse, na minha visão, é um debate interno. Ele deve ser tratado com muito cuidado, pois, como você sabe, há setores políticos—tanto de direita quanto de esquerda—que são favoráveis à exploração desses novos campos caso se confirme a existência de petróleo. E é exatamente isso que o governo e a Petrobras estão tentando discutir agora”, afirmou.

O presidente da COP 30 evitou marcar posicionamento sobre a questão, reforçando a necessidade de debate. “Portanto, acredito que o debate sobre o petróleo precisa ser intenso e aprofundado no Brasil, especialmente porque assumimos um compromisso em Dubai (COP 28, em 2023) de transitar para além dos combustíveis fósseis. O Ministério de Minas e Energia tem plena consciência disso, e os investimentos em energias renováveis continuam sendo extremamente importantes. Atualmente, já temos uma legislação para expandir a energia eólica, entre outras fontes renováveis. Mas esse debate, na minha opinião, é uma questão interna do Brasil. Então, precisamos esperar um pouco para ver como isso vai evoluir nos próximos meses”, pontuou. 

“Devemos negociar como adultos”, dispara Corrêa do Lago sobre financiamento climático

Comparando com negociações em edições da COP passadas, Corrêa do Lago mencionou a complexidade do desafio climático atual, que exige “acelerar tanto a mitigação quanto a adaptação”, buscando reduzir as emissões de gases do efeito estufa e minimizar os impactos das mudanças climáticas.

Outro desafio destacado foi a necessidade de equilibrar interesses diversos. “Temos que dialogar com negociadores, setor privado e sociedade civil. Obviamente, não vamos agradar a todos da mesma forma, mas precisamos construir elementos que tragam confiança para todas as partes”, afirmou Correia.

André Corrêa do Lago também criticou o impasse que costuma ocorrer durante as negociações ao longo dos dias de debates na COP entre os países. Mencionando a expectativa frustrada na COP 29, em Baku, no Azerbaijão, o embaixador reforçou a necessidade de avançar em questões práticas. “A Europa, em vez de falar sobre financiamento e sobre como podemos avançar, acaba mudando o foco para a mitigação de uma forma completamente abstrata. Eu não acho que esse seja o caminho que devemos seguir. Acredito que precisamos ser objetivos. As pessoas estão muito cansadas de negociações. Elas querem ver implementação. Elas querem ver ação. Elas querem provas de que os acordos levam a medidas concretas”, disse.

Buscando ser diplomático, como mencionou durante a resposta, Corrêa do Lago exemplificou situações onde esse tipo de embate ocorre nas negociações. “ Muitas vezes, acabamos falando sobre B quando deveríamos estar falando sobre A. Toda vez que queremos falar sobre financiamento, eles (países desenvolvidos) trazem a mitigação para a conversa. Desculpe, mas não é assim que devemos negociar como adultos”, comentou.

Nesse contexto, usando a metáfora, Corrêa do Lago puxou um dos pontos que geram impasse nas COPs, quando dois rumos de discussão vão em direções opostas, de acordo com os diferentes interesses dos países. 

De forma resumida, são dois lados: o Brasil e outros países em desenvolvimento reforçam o debate sobre financiamento climático para apoiar, com recursos ações de adaptação, que preveem transição energética, preservação ambiental e minimizar os impactos das mudanças climáticas. Na outra ponta, os países já desenvolvidos buscam mudar o foco para a mitigação, que basicamente direciona os debates para os esforços em reduzir as emissões de gases de efeito estufa que geram o aquecimento global e reforçam as mudanças climáticas. Os dois temas, porém, são complementares e a divisão emperra o debate.

Negociação teve avanços, mas ainda existem falhas na comunicação

Para André Corrêa do Lago, a COP 30 deve marcar um melhor entendimento das pessoas sobre a importância do avanço das negociações nos últimos anos. “Em primeiro lugar, precisamos reforçar a ideia de que as negociações valem a pena. Também devemos reconhecer que o legado dessas negociações já levou a avanços importantes e, esperamos, possa caminhar para um mundo melhor para a maioria das pessoas”, disse.

Ele afirmou que “como negociador há muitos anos, o essencial é que precisamos fortalecer o multilateralismo (cooperação e consensos entre os países). Se organizarmos uma COP e ela não resultar em avanços positivos por meio da cooperação multilateral, isso já seria um grande ponto negativo”, disse..

Para Corrêa do Lago, os envolvidos nas negociações climáticas precisam enfatizar e explicar claramente sua importância para a população. “Na minha opinião, cometemos erros consideráveis na comunicação. Precisamos fazer um trabalho melhor ao explicar para as pessoas quais são os resultados concretos desse tipo de negociação”, disse.

Segundo ele, o diálogo com a sociedade deve fortalecer o “entendimento das pessoas sobre onde estamos, para onde estamos tentando ir e o que já conquistamos por meio das negociações. Isso já será um grande avanço. O segundo passo, obviamente, é acelerar tanto a mitigação quanto a adaptação, pois os impactos extremos das mudanças climáticas já estão sendo sentidos em toda parte”, afirmou.

Para ele, o debate climático só pode avançar mais ao envolver outros setores da sociedade. “Grande parte da implementação vem do setor privado. Portanto, precisamos compartilhar essa discussão com outras entidades e estruturas. Espero que possamos desenvolver uma grande iniciativa nos próximos meses e trazer essa evolução para a COP 30 e ir além dela”, disse. 

Brasil terá desafio de avançar no financiamento climático


Foto de Tânia Rego - Agência Brasil

Segundo André Corrêa do Lago, um dos pontos de destaque será a percepção de que o financiamento climático não virá apenas dos governos e doações. Nesse sentido, mencionou que um dos desafios - e objetivos - do Brasil será garantir que a COP 30 em Belém defina maneiras de evoluir de US$ 300 bilhões por ano, como ocorreu na COP 29 e frustrou expectativas - para US$ 1,3 trilhão por ano, como é calculado pelos países em desenvolvimento para determinar as ações necessárias frente ao novo contexto de urgência climática. 

“Precisamos lembrar que nunca conseguiremos arrecadar US$ 1,3 trilhão apenas por meio de doações. Precisamos promover uma grande mudança na percepção de como investimentos e financiamentos podem chegar aos países em desenvolvimento. Alguns países estão em uma situação muito difícil, com altos níveis de endividamento, desafios enormes de infraestrutura, entre outros problemas. Há uma obrigação moral de apoiar esses países, e espero que as nações desenvolvidas mantenham seus compromissos em relação a eles. Afinal, são justamente esses os países mais vulneráveis às mudanças climáticas e os menos responsáveis pela crise que enfrentamos. Essa dimensão moral é algo que considero extremamente importante e que precisa ser enfatizada”, comentou.

O embaixador, no entanto, alerta para a superficialidade do debate, que pode frustrar expectativas, “Como vocês sabem, muitas pessoas pensam que será apenas um evento de 12 dias em Belém, onde apresentaremos algumas ideias incríveis, e todos concordarão ou discordarão delas. Não, isso é algo que precisa ser construído coletivamente. O consenso não é obtido apenas por meio das negociações na COP30 em Belém. É o trabalho realizado nos meses anteriores que permitirá identificar o que pode ser conquistado com apoio dos governos”, avaliou.

Sobre mais detalhes do que se pretende como avanço para a COP 30, André Corrêa do Lago disse que só será divulgada nos próximos meses. “Não acredito que simplesmente surgirá uma ideia brilhante do Brasil, que será proposta e imediatamente aceita por todos. Esse tipo de coisa não existe em negociações como essa. Temos que atender às expectativas dos negociadores, do setor privado e da sociedade civil. Obviamente, não conseguiremos agradar a todos com a mesma solução, mas precisamos trazer elementos que construam confiança nessas negociações para todos os envolvidos”, disse.

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