UM PROJETO

FOTOGRAFIA POR MARCELO LÉLIS
TEXTO DANIEL NARDIN

MARÉ DETERMINA RITMO DA VIDA E DOS ATENDIMENTOS EM SAÚDE

Sem as visitas da UBSF, as mães ribeirinhas têm de encarar uma longa jornada, cotidiano de uma realidade bem diferente de quem vive em centros urbanos. A jovem Aleciane Ferreira, de 24 anos, mora na comunidade São Sebastião, no rio Ajuí. A sua comunidade está na área de atendimento de uma Unidade Básica de Saúde Ribeirinha, postos físicos instalados em comunidades. 

 Foto: Marcelo Lélis

 Aleciane Ferreira, da comunidade São Sebastião, no rio Ajuí. Maré determinou que gestante procurasse atendimento na cidade.

 

Grávida pela terceira vez - também sofreu com um aborto na primeira gestação - Aleciane optou por fazer o pré-natal em clínicas particulares com preço popular no centro urbano. A escolha é resultado da necessidade. “Tem o posto que é perto, atende minha comunidade, mas os horários que o médico está lá, o furo é muito pequeno e a maré está baixa, então não passa, não chega. Então decidi fazer lá na cidade, particular mesmo, para não ter erro. Aproveito para resolver outras coisas. Não posso ir no público, pois lá eles dizem que eu deveria fazer no posto que atende a comunidade, só que a gente não chega por causa da maré”, explica. 

Aleciane descreve a jornada feita pelos ribeirinhos quando precisam se deslocar, por qualquer motivo, para o centro urbano de Abaetetuba. O principal meio é o “freteiro”, que percorre os furos e ilhas da região, inclusive o furo Ajuí, na comunidade São Sebastião, onde ela mora. “O freteiro é o nosso uber coletivo aqui do rio, vai onde ninguém quer ir”, brinca. 

O “freteiro” é uma pequena embarcação de madeira, que vai parando nas casas que avisam por whatsapp que desejam seguir para a cidade naquele dia. “A gente tem que levantar umas três da manhã, porque ele passa às três e meia em frente de casa e não pode esperar, porque geralmente já tem gente na embarcação e que também tem compromisso. Ele vai parando e por isso demora mais, então chega por volta das cinco e pouco na cidade. É bom pois a gente vai logo para a fila, para ser atendida logo. Aí no final da manhã a gente pega o freteiro de novo e retorna, chegando aqui no final da tarde”, detalha Aleiciane.

Além do dia dedicado para o deslocamento, o custo é outro fator que afasta muitos ribeirinhos de procurar atendimento quando não se trata de alguma emergência. A viagem de ida e volta varia entre 30 e 50 reais, dependendo do período do ano e do tamanho da embarcação.  

“Ainda tem a alimentação lá e a consulta quando é paga. Então, acho que por isso muita gente acaba não fazendo o pré-natal, que é só preventivo. Mas sei que é importante e por isso faço esse esforço”, afirma. 

A dedicação de Aleiciane tem origem no trauma do aborto que sofreu na primeira gravidez. “Eu demorei para descobrir que estava grávida e comecei a fazer todo o processo, marquei para fazer o início do pré-natal, tudo certinho, lá na UBS e iria quando dava, por causa da maré. Mas, infelizmente, uns dias antes de ir lá eu perdi o bebê e nem consegui iniciar. Depois descobri que estava grávida de novo. Aí foi mais delicada, porque tinha perdido recentemente e aí todo mundo dizia que o risco era maior, né? Então fiz tudo certinho e o Alisson (de 3 anos) está bem, graças a Deus. Agora estou com a Alice”, completa Aleciane, que está no sétimo mês de gestação.  

A jovem soube que a UBS Fluvial estaria na comunidade próxima de onde mora e, com a família, seguiu para lá passar a manhã em busca de outros atendimentos, inclusive odontológico. “Eu entendo que assim como minha comunidade precisa, outras também. Só que a minha fica num furo muito estreito, não passa. E tenho condições de, com esforço, fazer na cidade. Mas quando sei que o barco está aqui por perto, venho para fazer outros serviços, ir ao dentista, que é caro na cidade também. Acho que esse barco (UBSF) é muito importante, podia ter mais e a gente sabe que o serviço fluvial é ótimo. Aqui tem a médica, tem a dentista e sempre tem tudo de vacina. Lá no posto ou na cidade tem, mas às vezes falta isso ou aquilo. Aqui, não: eles já saem com tudo pronto e podemos fazer tudo de uma vez”, aponta Aliciane.

A região das ilhas de Abaetetuba conta com seis unidades de saúde básica. Uma delas é a UBS Ribeirinha do Tucumanduba. Foi lá que Leidiane Cardoso, de 21 anos, realizou nove consultas, todos os meses, desde o início da gravidez da primeira filha, Emilly, que está com um ano. 

 Foto: Marcelo Lelis

 Leidiane Cardoso chegando com a irmã na Unidade Básica de Saúde fixa, às margens do rio Tucumanduba.

 

Agora, grávida de Jordan, realizou quatro. “Acabei descobrindo muito tarde, quando já estava chegando no sexto mês. Mesmo assim, estou sendo bem acompanhada e tomando todos os cuidados, porque já tenho essa experiência e conhecimento. É bem diferente do que minhas cunhadas passaram”, relata. Ela lembra que antes da unidade fixa próxima de sua comunidade, as mulheres enfrentavam a mesma dificuldade e até acabavam deixando de ir. “É difícil ir para a cidade. Tem o custo que é alto e leva pelo menos o dia todo. Quando engravidei, já tinha a UBS e a minha foi melhor que a delas”, afirma. 

 

No “zap”, agentes de saúde reforçam busca ativa por mães grávidas

Enquanto serve suco no balcão do mercadinho que mantém com o marido, Rosana da Silva de Souza, de 39 anos, não larga o celular. “Bora, eles estão aqui já e atendendo até final da tarde. A maré já melhorou, vem logo”, diz a agente de saúde que atende a comunidade Santa Terezinha em áudio enviado para uma moradora próxima, que está grávida. 

“Não tem jeito, a gente precisa ficar insistindo. Tem vezes que pego a rabeta e vou até lá buscar, porque o marido está fora e só tem uma rabeta na casa, então dou essa ajuda. É trabalhoso, mas é pela gente, para nossa melhoria mesmo. A gente lutou muito por isso e agora tem que saber usar bem”, explica.

 Foto: Marcelo Lelis

 Rosana Souza, 39 anos, agente de saúde da comunidade Santa Terezinha. Nos grupos do "zap", orientação e mobilização para os atendimentos na UBSF.

 

O celular, a internet e os grupos do whatsapp são aliados para avisar os moradores. “Existe uma rede e nós preparamos a agenda do mês e enviamos para todas as agentes nas comunidades. São elas então que espalham isso e, chegando perto, ficam reforçando. Sem essa rede, a gente estaria aqui com tudo pronto, mas as pessoas não saberiam e não iria adiantar nada. O trabalho delas é fundamental”, destaca o coordenador Clebeson.

Pedagoga, Rosana atua há doze anos como agente de saúde e atende hoje 132 famílias. “Antigamente o povo ribeirinho aqui sofria muito, principalmente com a questão da saúde. Com a chegada da UBSF melhorou 100%. Está no seu território, a gente avisa, prepara o agendamento e vem e só faz a consulta. A gente faz a busca ativa das mãezinhas, faz visita e a gente conhece quando a pessoa está grávida e às vezes não sabe ou não quer falar. Então tem todo um trabalho com elas previamente, de conversar mesmo e tem a confiança das famílias”, disse. 

“Aqui as mães tinham os bebês como algo normal, então para elas era natural não se consultar e se perdia, entendiam como algo natural e não é. Então, a gente explica a importância do pré-natal, que precisa ser feito desde cedo, para não ter complicações para a mãe e o bebê. Antes até coleta para a mãe ir até Abaetetuba a gente fazia, para ela não deixar de ir. Agora não, a gente avisa no ‘zap’ e elas vem”, explica.