UM PROJETO

Não deveríamos chamar o "Jornalismo de Soluções" apenas de "jornalismo"?

2024-03-01 10:05:00

Por Daniel Nardin*

Quando estava divulgando em vários grupos do whatsapp o link do webinar sobre Jornalismo de Soluções (que você pode assistir aqui), um amigo biólogo me encaminhou em privado essa pergunta, que recebeu de um também colega jornalista. Respondi brevemente e, acatando a boa sugestão, decidi refletir e escrever um pouco mais sobre isso. Até porque, se a pergunta foi ácida ou genuína, não importa. Perguntas são feitas para que sejam respondidas. Inclusive por nós, jornalistas, obviamente.

Bem, sim e não.

É, concordo que não seja um bom começo, mas sigamos juntos.

Sim, se considerarmos que existem diferentes nomenclaturas e que todos são, na sua essência, jornalismo. Para citar alguns, temos o Jornalismo de Dados, o Jornalismo Investigativo, o Jornalismo Comunitário e por aí vai. Isso para não entrar nas expressões que dão conta de abordagens temáticas, como o Jornalismo Ambiental, Jornalismo Esportivo, Jornalismo Policial… Tudo é, afinal, Jornalismo. E, em tese, toda prática jornalística deve seguir o rigor da apuração, ouvir diferentes lados e trazer a informação em formato de notícia ou reportagem para sua audiência. Da mesma forma que os já citados, temos o Jornalismo de Soluções. Inclusive, um ponto em tempo: a tradução do termo para o português e o imaginário construído sobre solução aqui no Brasil pode causar mais ceticismo quanto à prática. Mas, a questão da nomenclatura é um bom debate e assunto para outro artigo.

Portanto, ok. Entendo que muitos podem torcer o nariz (aliás, isso é fisicamente possível?) e afirmar: “Ah, é mais uma nova embalagem para um velho produto”. 

Compreendo o ponto. Porém, respeitosamente, discordo. Assim como todas as áreas de conhecimento, o jornalismo tem ramificações e inúmeras perspectivas de aplicação. Não necessariamente em contraste ou negação a outras, numa rivalidade inventada que - na boa - não faz o menor sentido. Mas, sim, complementa. O Jornalismo de Soluções joga luz e apresenta desafios e problemas, mas conta uma história a partir de uma resposta e solução, mostrando os detalhes para gerar conhecimento e inspiração, assim como as lições aprendidas - ou não - com suas limitações.

Logo, enquanto perspectiva de narrativa, é importante dizer de saída: que se respeite e reconheça a importância do jornalismo que denuncia algo ou alguém, até porque essa prática é vetora de transformação ou mobilização. Aponta erros e falhas. Crimes. Já o Jornalismo de Soluções também passa pelo problema. Em muitos casos, é o ponto de partida da reportagem que detalha uma resposta, evidenciando um desafio comum numa sociedade, comunidade, num país, cidade, bairro ou rua ou rio. 

E então traz o que uma iniciativa tem feito para enfrentar essa questão. O foco está na pergunta “como” e não necessariamente “quem”, para evitar a criação de heróis. Traz detalhes e evidências de seu funcionamento. Explica e gera na audiência conhecimento, na expectativa de transformação e mobilização, seja para apoiar, replicar ou exigir que aquela mesma resposta seja também reproduzida na sua realidade. Ao pontuar as limitações, se afasta do padrão “bala de prata” ou “chapa branca”. E os problemas da solução geralmente não são contados por quem a implementa e sim por aqueles que são impactados. As pessoas, afinal. 

Para resumir. Sim, o Jornalismo de Soluções é também “apenas” jornalismo. Mas prefiro ficar com o não, é um pouco diferente. Ainda mais quando conhecemos a fundo as práticas, filtros e escolhas que tradicionalmente se faz no jornalismo “tradicional”. O fato é que temos um crescimento do afastamento das notícias. Por inúmeros motivos. Um deles, como mostra pesquisas como a anual feita pela Digital News Report, do Instituto Reuters, é o cansaço com notícias “negativas”. 

A pesquisa também mostra, por outro lado, que existe maior interesse por notícias com viés de soluções ou construtivas. Que reduzam o sentimento de impotência e gerem um fôlego, um suspiro de “então porque não fazemos isso aqui também?” em quem estiver lendo, ouvindo, lendo. Só um cuidado: o Jornalismo de Soluções não é e nem tem a pretensão de ser a solução do jornalismo. 

Pois estaria, metalinguisticamente falando (!!!), se apresentando como uma “bala de prata” ou “salvador”, o que não é Jornalismo de Soluções. Ele é o que é: uma maneira de contar histórias de pessoas, para as pessoas. E não apenas para nós mesmos, jornalistas ou para os algoritmos. É um caminho. Eu gostei dessa ideia e decidi seguir. E você?

*Daniel Nardin é jornalista, mestre em comunicação e sociedade e instrutor acredito de Jornalismo de Soluções pela Solutions Journalism Network (SJN). É idealizador e coordenador da plataforma Amazônia Vox.